12 agosto 2008

“O que está presente em todas as violências é o desamor”


Conduzindo há 20 anos o projeto Problemática da Degradação Social e Humana que Afeta o Desenvolvimento da Juventude - desenvolvido na Itália - o Psicólogo Social Francesco Gnisci Bruno recebeu, por seu trabalho, os prêmios UNESCO Educação a Paz (1984) e Nobel da Paz (1985). Convidado especial do Congresso da Infância e Juventude “ECA 18 anos”: Proteção Integral Sempre, realizado pela Fundação César Montes entre os dias 11 e 12 de agosto, proferiu, nesta segunda-feira, 11, palestra sobre a problemática psico-social da infância e adolescência. Confira entrevista concedida à repórter Carolina Mendonça, do A TARDE On Line.

A TARDE On Line – Quais são os principais tipos de violência aos quais crianças e adolescentes estão expostos, na atualidade?

Francesco Bruno – Infelizmente, crianças e adolescentes continuam a sofrer com a desnutrição, as injustiças, a violência sexual, a exploração do seu trabalho. É importante entender que os paradigmas metodológicos atuais não garantem que as leis e a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos sejam cumpridas.. Como é que ainda permitimos que passem fome? É uma verdadeira esquizofrenia social! Um outro “fenômeno mundial” terrível é a confusão dos valores afetivo-eróticos. A humanidade está mais disposta ao orgasmo do que a relacionar-se com o outro. Passamos da fobia do sexo à idolatria do sexo. Fico me perguntando se o “amor livre” não se transformou em liberdade sem amor. A mídia e a publicidade estimulam as “lolitas” a se exporem, numa exaltação ao narcisismo erótico. Então a pergunta é: o que fazer para que estes direitos sejam respeitados e postos em prática? Temos que traçar novas metodologias, baseadas numa nova cultura humana. Ainda somos muito imaturos.

On Line – O que o senhor chama de “imaturidade”?
FB – Como é possível que sejamos tão tolerantes à miséria e às condições indignas vividas por milhares de pessoas, tudo isso em nome da democracia e da liberdade? Tenho que concordar com os grandes pensadores históricos, que já disseram que a humanidade ainda não encontrou as condições adequadas para evoluir. Passamos da vida tribal, em grupo, a uma identidade individual, sem encontrarmos o equilíbrio. O que caracteriza o ser humano é a insegurança. É preciso buscar a contrução de uma nova identidade, que parta desta dialética fragilidade-poder, para que compreendamos nossos limites e pontencializemos nossas habilidades.

On Line – Do que o ser humano precisa para “evoluir”?
FB – Quando eu falava das condições adequadas para esta evolução, eu queria chegar na figura de Jesus Cristo. É inegável que a humanidade tenha concentrado nele uma série de premissas para a vida em sociedade. E é disto que estou falando. De valores. A compaixão, a tolerância, o amor. Porém, querem confundir Jesus com Calvino. Já está provado que riqueza material não é sinônimo de felicidade. A prova disso está nos países nórdicos, onde há bem-estar social, mas o índice de suicídios é altíssimo. Nos Estados Unidos, empresários estão empregando milhões para tentar resolver os problemas causados pela desigualdade. No entanto, fazer isso é somente atacar os efeitos desta cultura. Hoje, 50 milhões de inocentes estão condenados à insensibilidade, fruto da voracidade pelo poder.

On Line – O senhor está propondo uma nova estrutura sócio-econômica?
FB - Estou propondo uma nova cultura. É necessária uma nova consciência humana, onde se entenda que a maior riqueza da vida é alcançar a capacidade de amar. Este é o maior gozo, o da pessoa poder doar o que há de melhor nela para o outro. A nação humana é a maior riqueza do nosso ser. A esquizofrenia social a que me refiro é responsável por muitas das patologias individuais. Lutemos contra o desamor!

On Line – A propagação deste sentimento resolveria os problemas sociais?
FB – Quando falo que é preciso amar as crianças, não digo que temos de abraçá-las, fazer carinho nelas. Amar as crianças é conhecer suas necessidades, permitir que elas se desenvolvam com saúde, com direito à educação, a uma vida decente. É receber os seus erros com compreensão, com um sorriso, para que aprendam. É por meio dos desafios que elas crescem. Não se pode tratar um adolescente que cometeu um erro como um bandido. Temos que recebê-los com tolerância.

On Line – O senhor tem conhecimento da situação das crianças e adolescentes carentes no Brasil?
FB – Sei que existe o Estatuto [da Criança e do Adolescente], que é um conjunto de leis interessantes, mas volto ao que disse antes: precisamos estabelecer uma forma de fazer as regras serem cumpridas. Conheci o trabalho dos Conselhos Tutelares e acho bastante interessante, pois são pessoas da comunidade a exercer o cargo. De qualquer forma, acho interessantíssimo o que está acontecendo politicamente na América Latina. A ascensão de Lula e Evo Morales, por exemplo, é uma fato novo. São representantes legítimos da população. Quem foi que estabeleceu que o primeiro que chegasse a um pedaço de terra seria o seu dono? Outro fato que me alegra é a candidatura de Obama para os Estados Unidos. Já pensou na realidade dos negros norte-americanos 60 anos atrás? Acho que ele é o candidato de todo o planeta, neste momento.

On Line – O que é possível fazer pelas crianças e adolescentes na esfera do poder público?
FB – Estabelecer políticas de respeito à vida. Veja, não é possível conceber a vida sem algum nível de violência. A própria nutrição humana presume a violência funcional, aquela inevitável, cometida quando matamos um animal para nos alimentar, por exemplo. E mesmo esta pode ser reduzida ao mínimo, já que podemos plantar para comer. Já não somos mais o homem caçador. O que precisamos evitar é a violência alienante, que é fazer o mal ao outro. Quando faço mal ao outro, faço mal a mim mesmo. Neste sentido, o poder público pode estabelecer um comportamento de respeito ao próximo, por meio da implantação de uma cultura de paz. Por outro lado, a família também deve receber apoio para que estes ensinamentos sejam passados.
On Line – De que forma isto seria feito?
FB – O que está presente em todas as violências – a fome, a desnutrição, a exploração – é a expressão da mais grave enfermidade que golpeia o ser humano, o desamor. É preciso que as mães conheçam o processo biológico de gerar e tenham acompanhamento para que os bebês venham ao mundo bem nutridos. Pense bem, já é uma grande violência deixar de ser um ser aquático (dentro da barriga da mãe) para se tornar terrestre. Uma chipanzé, por exemplo, procria a cada 12 anos e tem um bom tempo para cuidar e educar seu filhote. Já uma mulher, pode engravidar a cada 11 meses, em média. É pouco tempo para que se tenha a atenção devida entre um filho e outro. Todos os passos de uma vida devem ser assitidos. A família é o primeiro ambiente para se desenvolver comportamentos coerentes com esta nova cultura humana, que confirma que a afetividade é nossa maior riqueza.

Tirado de: http://www.atarde.com.br/cidades/noticia.jsf?id=932240

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