Que sentimento é este, capaz de transformar em assassino gente que jurava amor eterno ? Especialistas discutem o crime passional.
SÃO PAULO - Alcides amava Adélia que amava um terceiro qualquer. Gilmar amava Evelyn que não amava ninguém. Alcides está no hospital, Adélia morreu afogada, Gilmar cometeu suicídio, Evelyn foi baleada e o sujeito sem nome não quis aparecer na mídia. A trágica seqüência de triângulos amorosos poderia ser apenas uma paródia do conhecido poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade. Os personagens descritos, contudo, saíram do noticiário policial brasileiro de novembro. No decorrer deste mês, que ainda nem chegou ao fim, pelo menos seis pessoas perderam a vida por causa de crimes motivados por ciúmes.
Após estudar o ciúme por mais de 20 anos, o especialista Eduardo Ferreira-Santos, doutor em ciências médicas e mestre em psicologia , é taxativo sobre o crime passional: "Quem ama não mata", diz . Esta mesma frase virou lema de vários grupos femininos em 1976, quando a socialite Ângela Diniz foi assassinada pelo namorado Doca Street,a quem desejava abandonar. "Naquela época, crimes em defesa da honra eram socialmente aceitos. Hoje, matar por ciúmes é um agravante pois constitui motivo torpe", completa o profissional.
Médico-supervisor no Serviço de Psicoterapia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Ferreira-Santos já tratou crises de ciúmes de intensidades diversas, das delirantes às briguinhas de casal. Ao notar a reincidência do tema, resolveu escrever o livro Ciúme - O medo da perda, já na 7ª edição. Agora, ele volta ao tema com a obra Ciúme - O lado amargo do amor, da Editora Ágora. "O ciúme é egoísta. A pessoa exerce o ciúme para restringir a liberdade do outro. Podemos compará-lo com a dor: todo mundo sente dor, mas não é normal sentir muita dor, por tempo prolongado. Ficar enciumado com uma determinada situação é diferente de ser ciumento sempre, fantasiando motivos", explica.
Cíntia Valadares, 22 anos, concorda com a posição de Ferreira-Santos. Por sorte, ela procurou ajuda antes que uma obsessão pelo ex- noivo culminasse em tragédia. "Por causa do meu ciúme ele foi parar na delegacia. Como eu não poderia ir a um jantar com ele e não queria que fosse sozinho, fiz uma denúncia falsa. Inventei que havia sido roubada e que sabia onde o ladrão estava. Dei o endereço da festa e ele ficou detido por quatro horas. Para reatarmos, ele impôs que eu procurasse tratamento", conta.
Em terapia há um ano, Cíntia casou-se com outra pessoa. E, curiosamente, passou a ser vítima de ciúme. "Estou me separando, agora sei como é difícil conviver com ciumentos. Meu marido tem ciúme até do cabeleireiro, que é homossexual. O salão é da minha madrinha, mas nada convence um ciumento. Tive até de deixar a faculdade. Vejo o ciúme como um vilão nos relacionamentos, uma doença que acaba com a gente. Agora, foi a minha vez de indicar o tratamento."
As manifestações masculinas de ciúme tendem a ser mais violentas. Não é à toa que grande parte dos crimes são cometidos por homens. Pesquisador do Instituto de Psicologia da USP e autor da obra Ciúme e suas Conseqüências para os Relacionamentos Amorosos, o psicólogo Thiago de Almeida lança hipóteses para a agressividade masculina diante dos rivais - reais ou imaginários.
"O ciúme tem uma conotação mais sexual para o homem, é sentido como uma dupla traição.Ele imagina que a mulher foi duplamente conquistada por outro, já que trata o envolvimento sexual como indício de que a esposa se deitou com alguém porque estava emocionalmente envolvida. Para as mulheres, a traição é emocional, elas ficam mais deprimidas", diz Almeida.
Em seus estudos acadêmicos, o pesquisador da USP entrevistou 96 casais. Em comum, percebeu algo que classificou como profecia realizadora. "O ciúme exagerado induz o parceiro a ser infiel, na medida que a pessoa sente-se cerceada pelo par e sufocada pela relação ", opina o profissional.
Professor da disciplina relacionamentos amorosos da pós-graduação em psicologia da USP, Aílton Amélio da Silva destaca aspectos positivos do ciúme. "Em dose moderada, ciúme é um mecanismo útil para preservar a unidade conjugal. A espécie humana, em condições naturais, é dependente dos pais até 11 anos. O ciúme ajudaria a manter o casal unido para cuidar da cria", afirma.
O traço biológico do ciúme é bastante explorado pela linha da psicologia evolucionista. De acordo com Silva, co-autor do livro Para viver um grande amor,o ciúme possui ainda componentes sociais e individuais. "Pessoas que não tiveram pais afetivos não raro se tornam inseguras, instáveis. Em, geral o ciumento é o mais dependente na relação. O ciúme, sozinho, não leva à morte. Isso se dá quando este sentimento está associado a alguns desequilíbrios. É o caso do ciúme patológico, quando a pessoa crê em fatos que inventou ", diz.
O ciúme delirante foi imortalizado na literatura por Otelo, personagem shakespeariano que mata a mulher, boa e fiel, certo de que ela o traía. Shakespeare, aliás, definiu o ciúme como "mostro dos olhos verdes". Não é à toa que o ciúme patológico ficou conhecido como ‘síndrome de Otelo’. A história é do século 17, mas tem servido de inspiração para casos reais até hoje. À propósito, Drummond, o do poema Quadrilha, também escreveu que "o amor é primo da morte". O ciúme, talvez, seja da mesma família.
Novembro passional
19/11
Em Jaú (SP), Paula Regina Caldeira, 15 anos, foi morta com um tiro pelo namorado E.L.S., 17 anos, que a viu com outro homem em um baile. Ao comprar o revólver, teria dito que cometeria suicídio se a relação acabasse.
19/11
Gilmar da Silva Filho matou a ex-namorada Evelyn Amorim com um tiro após fazê-la refém por 11 horas na Praia Grande (SP). Testemunhas contaram que ele vasculhou os e-mails dela e teve crises de ciúme. Depois, se matou.
10/11
O fotógrafo Alcides Oliveira Pinto mata a mulher, Adélia dos Santos Pinto. O motivo seria uma traição. O corpo foi achado na banheira de um motel da Barra Funda (Capital).
Por : Giuliana Reginatto
Tirado de: http://www.estadao.com.br/suplementos/not_sup85880,0.htm
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